sexta-feira, 31 de julho de 2009

Festa Catsumbula

Hoje é sexta, dia de saudade, de vontade de pegar a estrada e rever os meus, eu que vivo distante os dias da semana, a trabalhar nessa barranca de rio, do Rio Grande, no limite paulista e mineiro, lá no quase extremo noroeste do mapa, sempre aflito para voltar para casa.

Levantei-me com a sensação de que os filhos meus ainda são pequenos e que me perguntarão, quando eu chegar neste final de semana e me preparar para ir a algum lugar: - Pai, aonde você vai? E eu responderei, como sempre, tal qual faria minha mãe, como de fato fez quando eu mesmo era criança, várias vezes: - Na festa catsumbula!

Fico imaginando se minhas crianças, quando eram crianças, ao ouvir esse nome inventado, ou trazido pelos meus avós da Itália, não sei bem, porque todos os meus primos também ouviam a mesma resposta, também achariam, como eu achava, o quão divertida deveria ser a festa. Nada que é catsumbula pode ser monótono, lento, arrastado. Há de ser alegre, com convite a muitas brincadeiras, sem comportamentos sociais rígidos, uma festa com esse título. Hão de ser de todos os tipos e cores as roupas dos convivas, e eles próprios também, cada qual com suas características, confraternizando as diferenças.

Era assim que eu imaginava a tal festa, quando menino: uma festa do tipo natal na casa de meus avós, onde não se cantavam cânticos, nem liam-se os textos evangélicos indicados pelo lecionário católico, apesar da tradição. Nos encontrávamos a todos, a grande família italiana que, além dos filhos e netos, noras e genros de várias origens, espanhóis, iugoslavos, portugueses, ainda era composta pelos muitos amigos dos meus avós, alguns italianos, outros húngaros e dois negros tidos em altíssima estima pelo meu avô, um deles de nome Seu Maíde (o outro não me lembro o nome), suas famílias e os inúmeros afilhados que chegavam e saíam ao longo do dia 24, ao menos de 2 ainda me recordo eram filhos de amigos convalescentes dos tempos em que minha avó estivera longos meses interna em um hospital para tratamento pulmonar, em São José dos Campos, quando a mesa nunca ficava nua, e os pães, os vinhos, os assados, as conservas, o queijo provolone, o brodo e o finuccio eram partilhados com quem chegasse.

Nessas ocasiões, a diversão estava garantida quando quaisquer dos meus primos mais velhos, inclusive meu irmão, até meus avós levava um namorado ou namorada a apresentar pois já sabíamos, de antemão que, se para ele fosse a primeira apresentação teria o candidato de sorver, obrigatoriamente, uma taça de vinho tinto, a qualquer custo, estivesse ou não habituado, e não foram poucos os que, burlando a fiscalização severa do nono, embebedaram os vasos de plantas da sala da minha avó e, se para ela fosse a direção da apresentação, era sempre divertido observar o semblante de quem não sabe o que responder quando minha avó perguntava, antes mesmo do nome da candidata, como se essa fosse a principal habilidade para o pretenso processo de ingresso na família: - Você sabe fazer molho de macarrão?

Esta a casa dos meus avós, que eram verdadeiramente catsumbulos!

Não entendia muito bem o motivo pelo qual crianças não eram jamais levadas à festa catsumbula à vista do meio sorriso de meus pais quando respondiam que lá iriam, ou de lá tinham voltado, pois me parecia ser a comemoração essencialmente infantil, pelas expressões leves e também divertidas que traziam.

Os olhinhos negros de meus dois filhos também me fitavam interrogativos, quando ouviam a resposta à famosa pergunta: - Pai, aonde você vai?

Não me recordo exatamente quando, mas sei que ainda pequeno eu já sabia que, quando a festa era catsumbula, significava que a nenhum lugar iriam meus pais, ou em nenhum teriam estado, e creiam, isso sempre foi para mim um desconsolo, uma vez que jamais se deveria perder uma festa catsumbula, onde quer que estivesse acontecendo.

Atualmente, adulto, não preciso mais da companhia de meus pais e não perco uma festa catsumbula, em qualquer circunstância. Será que hoje haverá uma?

Um livrinho de Pelúcia

Os carros sempre quebram às segundas-feiras. Poderiam quebrar terças, quartas ou quintas, mas quebram, invariavelmente aos sábados, domingos, feriados e, no máximo, segundas. O meu, ou melhor, o automóvel da Usina que eu uso, me deixou na mão na manhã da última segunda quando saía de casa, já atrasado, como habitual, e contava nos dedos as 4 horas e meia que levo até o meu trabalho, antecipadamente nervoso pelo que poderia esperar de um dia curto e lotado de coisas a fazer.

Diante daquele quadro desanimador, manhã de segunda, carro quebrado e chuva torrencial em Botucatu, especialmente na Estância Demétria, bairro rural onde os dias chuvosos são próprios (quer queira-se ou não) para amassar barro com os pés, despachei-me para a oficina mecânica, onde encontrei um assento reservado aqueles que não se separam de sua paixão e de lá não arredam pé até que seu carrinho esteja saudável novamente, o que definitivamente não é o meu caso. Na verdade não me agrada em nenhum nível, e até me irrita, acompanhar os acertos e desacertos dos mecânicos, no seu interminável processo empírico para descobrir o defeito do veículo, baseado no rudimentar sistema do erro e acerto, que eles jamais admitem. Apenas não tinha o que fazer e ainda esperava, quando o relógio apontava 10:00 h, poder seguir viagem naquele mesmo dia.

Olhei no banco de trás do meu carro e vi um livro, despretenciosamente depositado. “Fica Comigo Esta Noite” é o título do livro e também de um samba-canção do Nelson Gonçalves (“....fica comigo esta noite/ e não te arrependerás /lá fora o frio é um açoite/ calor aqui tu terás...”), que não consigo deixar de cantarolar cada vez que lembro o nome da obra, como agora. Tomei emprestado da Aventura, nome divertido da biblioteca da Ana, também divertida, na tarde do sábado (eu acho) anterior em que lá estivemos e, além do livro, por empréstimo, ainda filamos um maravilhoso cafezinho do Ricardo, este sem devolução, mas com contrapartida certa e garantida quando os anfitriões quiserem ir à minha casa, acompanhado de queijinhos “originais” e tudo (o original, feito de leite de cabra, tem sotaque português imitado pelo Ricardo).

Depois de fingir entender as primeiras explicações apresentadas com muita propriedade pelo mecânico e que me deixaram seguro de que as horas de espera não seriam poucas, tomei o livro da Inês Pedrosa nas mãos, de quem já havia lido um “Fazes-me Falta” triste, mas belíssimo. Não me arrependi e, no decorrer do dia, cheguei a dar graças pela segunda chuvosa com carro quebrado: que outra oportunidade teria para devorar o livro assim, todo de uma vez, lido num único sopro, sem as interferências dos mundanos assuntos advocatícios, no trabalho, ou domésticos, também mundanos, em casa?. Doze contos escritos com a melodia do português mais próximo da sua forma original, agora sem sotaque.

Durante minha leitura, entre invisíveis mecânicos e clientes da oficina em frenético vai-e-vem, indignei-me com a fria e livre negativa do filho cineasta ao pedido de seu pai alcoólatra e solitário, cuja glória maior era a memória antiga da resistência à ditadura salazarista, para que com ele ficasse na varanda “por mais meia hora até que o sol acabasse de nascer”, em troca de uma engenhoca eletrônica qualquer. Imaginei a mim mesmo fazendo tal pedido, sob a noite Lisboeta que não conheço. Virei-me na cadeira, que se tornou desconfortável de repente. Já não via mais porcas, chaves de fenda ou parafusos. Não me importava se o automóvel ficaria pronto em 1, 2 ou 3 horas.

Àquelas alturas andava a vontade pelas paginas do livro.

Alguns minutos depois, quando dei por mim estava na porta da oficina, escondendo das pessoas as lágrimas que me corriam, como novamente correm agora que releio o mesmo conto, quando outro pai escarafunchava sua própria dor de saudade pelo desaparecimento da única filha adolescente nas torres gêmeas, atormentado por não ter com ela morrido, e nem tive coragem de imaginar nada. O desespero da ausência. Tenho agora a fronte dolorida.

Ri sozinho com uma fadista contando sua vida a um imaginário companheiro de mesa de café, especialmente para registrar que sua família compartilhava, a própria, o marido e a filha, uma espécie de benção humana que sobre eles desceu, encarnada em um jogador de futebol, o pai por vê-lo no esquadrão nacional, sempre a fazer defesas incríveis, as fogosas mãe e a filha por compartilharem com ele suas camas, a primeira atribuindo a esse sexo descomprometido a salvação de seu desde sempre monótono casamento. Tudo casualmente e em segredo, é claro.

Passava de 15 h quando me levantei da cadeira em frente ao escritório da oficina, olhei o motor exposto do meu carro, sem qualquer pretensão de ver ou entender alguma coisa, notei os capôs abertos, as ferramentas pelo chão, os cartazes da Fiat chamando os clientes para revisão dos seus automóveis, onde o carro era de pelúcia, assim como o ursinho deitado sobre ele...somente nós cuidamos do seu carro como você mesmo o faz... e me dei conta de que, se fosse para mim o cartaz, ao invés de um carro certamente de pelúcia seria um livro que estaria nele estampado, aquele mesmo que tinha em minhas mãos. Pus-me a andar rapidamente para alcançar um lugar qualquer para tomar um lanche, que a fome batia objetivamente. O coração meio disparado, a cabeça tonta das quase 5 h de leitura, a respiração desequilibrada pelos passeios rápidos e descontrolados entre sensações tão intensas e diferentes entre si. Andava rapidamente revendo e tentando reter as imagens já e quase transformadas das cenas dos contos que vivi naquele dia, junto a cada um dos seus personagens, um tanto sem saber onde pararia mas certo de que faria isso somente quando conseguisse vir à tona novamente, pondo fim ao mergulho profundo daquela segunda-feira chuvosa.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Quintas-feiras (ou uma imagem da infância de um menino)

Hoje é quinta-feira e as quintas-feiras me são saudosas. Como me sinto um forasteiro em qualquer lugar que já estive, desde que saí de minha cidade, há 16 anos atrás, qualquer detalhe, como um dia da semana, um nome, uma palavra dita com um sotaque familiar, me leva a lembrar do que se foi.

Estou habitualmente tentando me convencer de que não sou bairrista, mas confesso que hoje escrevo em tributo à minha São Paulo querida, tão rechaçada pela sua aparente frieza, pela impessoalidade que marca a vida na metrópole, mas que, ao contrário do que se diz precariamente, me deu, gentilmente, assim como a tantos outros, os alicerces para que se criasse em mim alguém que procura cultivar princípios como os da fraternidade humana, da generosidade, do calor, do respeito às diferenças, da admiração pelas coisas realmente simples.

Para quem ainda não sabe nasci e fui criado na Mooca, o bairro mais paulistano de São Paulo.

Minhas primeiras lembranças são da nossa casinha operária de vila, onde passava meus tempos de férias fazendo e soltando “raia” – tipo de pipa - nos meses de vento (julho e agosto), com folhas de papel de seda e vareta japonesa, brincando de peão (sela), montando e desmontando forte apache e jogando futebol de botão feitos de celulóides de relógios, que infernizávamos os relojoeiros das redondezas a nos dar, e que depois eram revestidos, na parte interna, com durex das cores dos times. A maior habilidade estava em, com uma lâmina de barbear, a popular gilette, sem estragar o celulóide, retirar vagarosamente o excesso de durex para que corresse sem problemas no campo, que era constantemente encerado com cera parquetina.

Todas as quintas-feiras a tarde descíamos até a casa dos meus avós maternos, italianos da Província de Catanzaro, na Calábria.

Eram certas nessas tardes de quinta-feira encontrarmos, minha mãe, meu irmão e eu, minha avó na venda (mercearia) que eles tinham, fazendo crochet ou “caça-palavras”, enquanto meu avô dormia sua religiosa soneca. Esperávamos a chegada das minhas tias Amélia, Almelinda e Olga, esta com seus três filhos, meus primos Ivani, Simone e Mauro para irmos à padaria dos “Carillo”, também “oriundi”, e que ficava na mesma rua. A recordação amarelada da vila dos “Carillo”, antigos vizinhos e amigos dos Paravatti, meu avós, é uma das mais marcantes de minha infância: a entrada em arco calçada de pedras, passando pelas casinhas da família até a entrada da padaria, onde os fornos, também de pedra, assavam os pães italianos, que eram colocados em caixas de madeira e separados por tipos: os redondos, pequenos e grandes, os de calabresa, torresmo. Luz pouca. Posso ver, nitidamente, o reflexo da luz natural nas pedras do chão da vila e o avermelhado dos fornos em brasa.

Comprados os pães, o retorno lento à casa de minha avó, onde, na cozinha, reinavam soberanas algumas conservas típicas da região do mediterrâneo, notadamente as de berinjela, especialmente escolhidas de tamanho pequeno e levemente assadas no azeite abundante, depois de recheadas com temperos, tomate maduro e aliche, não sem antes terem sido desidratadas por uma noite, ou inteiramente descascadas, fatiadas e cortadas em finos “palitos”, que eram longa e simplesmente marinadas em bom vinagre de vinho tinto e temperadas com azeite, alho cru, louro e pimenta calabresa.

Nessa mesma mesa a mortadela, que era docemente acompanhada de erva-doce crua, chamada de finuccio. O paulistano café quentinho, passado na hora e forte, era apreciado pelos adultos e crianças, a estas últimas nem sempre permitido. Depois, doces de vitrine, maria-mole entre duas bolachas, canudos de doce-de-leite, guarda-chuvas de chocolate, todos da venda do meu avô que fingia zangar-se com minha avó em razão dos doces tirados da vitrine, mas que pelo olhar tranqüilo e meio sorriso esboçado atrás do seu balcão não conseguia esconder a satisfação de ter à sua volta os netos brincando de encher e esvaziar as conchas de arroz tirado do saco, de descascar laranjas em uma maquininha a manivela que fazia nas frutas umas listrinhas finas e da casca uma serpentina desenrolada em caracóis. E se fazia a festa minha e de meus primos, com tão pouco.

Na volta para casa, minha avó nos acompanhava até parte do caminho, quando parávamos religiosamente em uma banca de jornais e eu, assim como meus primos, recebíamos dela, como presentes, gibis novos e usados...Pato Donald, Tio Patinhas e o cobiçado Almanaque Disney. Já era final de tarde. Hora de voltar e preparar a janta, fazer lição, brincar um pouco com os amigos e vizinhos de então, gente de várias origens, como em qualquer vila da Mooca, e que, pelo processo da mistura, ostentava todas as raças e, ao final, nenhuma: Reynaldo, Vagner, Billy, este o caçula de uma família de Iugoslavos muito querida, Dona Margarida e o Sr. Seman, etnia que, dizem, os primeiros representantes a desembarcar no Brasil foram morar em cortiços pertencentes à nossa família que, nem por isso, era mais abastada ou socialmente superior. Muitos então iugoslavos casaram-se com moças italianas da minha gente.

Hora de entrar para a casa, jantar, às vezes estudar, receber o calor dos momentos com a mãe e pai juntos e, finalmente, dormir.

E assim se acabava a quinta-feira. Um dia especial que guardo na minha memória de menino.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Será que um dia eu sossego?

Ontem fui surpreendido com uma mensagem eletrônica solicitando meu endereço para correspondências, enviada por uma amiga que de há muito não vejo, especialmente para fazer chegar a mim o seu convite de casamento, que acontecerá em setembro próximo. Fiquei feliz pela lembrança, abri o site que o casal pôs no ar para confirmação de presença, lista de presentes, etc. e lá deixei uma mensagenzinha simpática, dessas que apesar de sinceras não deixam de ser piegas, tipo desejando antecipadamente que Deus os faça felizes. Realmente desejo que sejam felizes.

Hoje telefonei para essa amiga, conforme o pedido contido em sua mensagem e, após uma rápida conversa, dois detalhes me fizeram pensar o quanto meus amigos antigos, aqueles que se juntaram a mim antes das escolhas mais ousadas que fiz (e olhem que eles nem têm ideia do que ainda está por vir), e que nem foram tão trashs assim, me devem achar completamente maluco, considerando-se que sou um sujeito formado em direito aos 22 anos, em uma escola tradicional (para não ser completamente elistista e lembrar que alterna com outra faculdade o status de a melhor do Brasil), cujo primeiro emprego foi na Bolsa de Valores de São Paulo, ou seja, um yuppie típico dos anos 80/90, que acabou advogando em uma usina de açúcar cravada num rincão distante 600 km da capital, mal remunerado e fora da zona do topo da carreira escolhida. O primeiro é ter de perguntar para onde mandar uma correspondência, o que significa que na ideia deles eu moro fora do planeta e, logo em seguida, ainda no início do interlocutório telefônico, questionar calmamante: - " Você sossegou?", em uma clara alusão ao fato de eles nunca saberem ao certo onde estou, se trabalho em São Paulo, Minas ou em Goiás ou onde moro no momento. Esse o segundo detalhe.

Antes que eu mesmo acredite, e isso não é muito difícil de acontecer, que realmente pirei, diante das tendências de vida que mostrava no passado e as probabilidades que se apresentavam até então, preciso registrar duas polaridades que se relacionam nessa dinâmica maniqueísta entre meus amigos quadradinhos, muito queridos, diga-se de passagem, e eu: nem eu fui muito ousado e eles é que sempre foram excessivamente caretas.

Fico me perguntando se um dia realmente vou sossegar. E confesso que não faço isso sem uma sensação de leve desconforto, inclusive por imaginar o quanto meu desassossego deve ser objeto de comentários de quem me quer bem mas, de fato, não me entende.

A questão, entretanto, me parece demasiado simples para justificar os movimentos que fiz rumo ao encontro das possibilidades de mudanças em relação ao que me era pasteurizadamente proposto, e não fui o único, muitos o fazem: tenho perguntas sobre onde levar minha própria vida e, por mais incrível que possa parecer, existem pessoas que não as tem, ou não as conseguem ver. Reconheço que nem sempre as perguntas que assolam minha alma são claras. Na maiorias daz vezes elas não têm formulação e aparecem sob os disfarces da incoformidade diante das injustiças, pequenas ou grandes, da indignação frente à crueldade com que são tratadas as diferenças entre os homens, do desconforto face à excessiva petrificação do processo educacional de nossas crianças, do escárnio com que são tratados pelos poderes públicos os dramas do nosso povo realmente tão sofrido, desculpando-me pelo jargão, mas é preciso usá-lo agora, do repúdio que me causam o egoísmo e egocentrismo exacerbados das pessoas em processos de construção de instituições sociais, do desespero para tentar entender, e sobretudo encontrar uma forma de viver concretamente, a relação que deve existir entre o homem e os mundos suprasensíveis, dentre tantas outras sensações pelas quais tenho passado ao longo desse meu caminho.

Realmente não posso ter sossego.

Confesso que a falta de clareza diante das minhas perguntas me tem levado a movimentos incertos, trôpegos, cambaleantes às vezes. Assim como reconheço que não me é gracioso ouvir a questão da minha amiga candidata ao casamento, a uma porque todos devem sossegar, eu acho, uma hora ou outra para que vivam em paz, ao menos, e depois porque tenho a sensação que ainda me falta a certeza dos movimentos que fiz, no sentido de que acertei (se é que um dia terei essa certeza) e, finalmente, porque ainda me importo com as críticas que se me apresentam.

Por aqui vou terminando, um tanto aliviado pois um pouco mais avancei no entendimento de mim mesmo, sobretudo porque, e somente no momento em que escrevo esta linha soube disso, ainda que nebulosas, foram as perguntas as responsáveis pelas prioridades que elegi, e delas não me arrependo, mas angustiado, ao mesmo tempo, especialmente por ainda não saber onde esse desassossego me levará. Oxalá seja a um lugar gentil.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Interneticamente Analfabeto

Eu disse que quase nada sabia sobre blogs!

Este post é só para confirmar como se "posta" alguma coisa, depois de o blog no ar.

Ventania

Ventania


Salvem as cartas, antigas missivas e modernos e.mails e, mais ainda, salvem os blogs e outras ferramentas eletrônicas, que aqui não nomeei porque não as conheço, confesso, pois nos permitem trazer do passado as psicoses em geral, básicas neuroses e refinadas esquizofrenias, bem como outras fraquezas e forças humanas, que cito pela força da generalidade que tais substantivos (ou serão adjetivos) carregam, por agora tão esquecidas ou escondidas, quando cada vez mais se desusa a linguagem, antigamente materializada pelo simples ato de escrever, para comunicar ao outro o que vai por dentro de nós mesmos.

Acabei de ler os posts do blog Das Ventanias e me senti aliviado! Eu que me julgava um ser do passado, “geração ponte”, parafraseando a minha querida Cora Coralina, ponte entre a máquina de escrever, elétrica já, onde bati (naquele tempo batia-se à máquina) as primeiras bobagens que escrevi, e copiei, admirado, os geniais Mário Quintana e Lygia Fagundes Telles, descobertos em plena adolescência e imediatamente reconhecidos como espelhos, origens, ou qualquer coisa assim, e os modernos processadores de textos acessáveis em velozes PC’s, laptops e outras máquinas atualmente indispensáveis mas que podem se tornar, dependendo da dimensão que se dá à sua capacidade de substituir eficazmente qualquer coisa originalmente elaborada por nós mesmos, perigosas.

Eu que sou um ser em permanente crise, existencial, financeira, emocional, filosófico-religiosa, filosófico-social, filosófico-qualquer outra coisa, filosófica pura e simples, familiar e profissional, e se existirem outras classificações, e certamente existem, também estou nelas, expirei finalmente, depois de um bom tanto de anos, ao perceber que outras pessoas também sentem.

Não sem medo de ser mal interpretado, quero dizer: viva a astralidade, palavra às vezes tão temida em certos mundinhos, e que assim os chamo não pejorativamente, diga-se logo, antes que eu seja rechaçado, mas sim, digamos, carinhosamente, que nos faz correr interiormente de uma sensação à outra, de diferentes cores, em questão de segundos, nos leva do perder o ar de desejo à mais completa indiferença em uma única frase, assim como uma folha é castigada, sem dores, quando é atirada de um lado a outro pelo vento! Pessoas e folhas se movimentam, aquelas no universo às vezes confuso, caótico quase sempre, brilhante quando se presta atenção, de si mesmos, estas no espaço de uma simples calçada de qualquer dos bairros da minha querida cidade, Sampa.

Agora que descobri os blogs não os deixo nunca mais! É lá, então, que moram as pessoas que não escondem sua astralidade, seus humanos complexos de sentidos, sensações e sentimentos, como no passado moravam nas cartas aos mais caros amigos, onde se confessava aquilo que nem mesmo a nós admitíamos, nos cartões postais enviados aos irmãos ou primos no meio de uma viagem incrível, apenas para dizer que se tinha saudade, nos cartões de natal destinados aquele amigo do amigo com o qual conversamos somente uma vez na mesa de um bar.

Escrever cartas, ou posts, deitando nelas o que vai em si, como ato generoso de dividir-se é hábito, infelizmente, cada vez menos recorrente na pseudo-modernidade de nossos dias, quando a maioria das instituições nos ensinam que o melhor, ou o fundamental, ou a única coisa que importa é ter sucesso, e só ter sucesso, social, profissional e financeiramente falando, ao melhor estilo Estados Unidos da América do Norte (nada contra os norte-americanos, nem contra aqueles que alcançam conforto material, ok?) e não a ser somente aquilo que escolhemos, seja antes de fechar os olhos ante a primeira luz neste mundo, ou depois disso, o que equivale a dizer que vivemos, ou poderemos viver, caso descuidemos, uma era de superficialidade epidêmica, tanto nas relações entre as pessoas, quanto, o que é mais triste, nas relações conosco mesmos, pois nem sempre esse tal sucesso depende de profundo conhecimento sobre o que vai dentro de cada um de nós, certamente ao contrário de quando nossa escolha for trilhar nosso verdadeiro e essencial caminho de vida, já que sem saber o que somos visceralmente não há como chegar a lugar algum.

Note-se que negar a própria astralidade, ou escondê-la, de si ou do mundo, é partir no rumo oposto ao do auto-conhecimento, e não importa a má aplicação ideológica que nos leve a isso, seja para corresponder a conceitos pré-estabelecidos de equilíbrio espiritual, ou emocional, seja por mergulhar de cabeça nessa proposta neoliberal de sucesso como único gol a se alcançar na vida: os malefícios serão os mesmos.

Penso que não se pode alcançar a serenidade interior sem que conheçamos o caos que nos habita. Penso que é muito mais difícil permear de calma a profusão quando nos escondemos de todos, e de nós mesmos. Para nos mostrarmos, aos outros ou a nós mesmos, é preciso antes observarmo-nos objetivamente e deixar que nossos conteúdos ressoem. Quer queiramos ou não, escancarada ou veladamente, esse ressoar será ouvido, neste ou em outros mundos, com ou sem palavras, pelos nossos gritos ou nossas estórias. Algo que fala e é ouvido constrói ou destrói. Tanto melhor se tivermos consciência disso.