quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Da justiça e sua morada

Certo dia em minha casa em Ribeirão Preto, lá pelos idos de 2000, mais ou menos, uma amiga violoncelista me perguntou, depois de uma consulta jurídica formulada em uma manhã de domingo sobre problemas que enfrentava à época com sua doméstica, afinal, onde está a justiça? Convivo com essa questão em minhas entranhas há exatos 25 anos, quando jurei solenemente buscá-la a despeito de tudo, inclusive da lei e dos homens que julgam, e faço muitíssimo menos do que gostaria, pois que essa atitude livre e consciente seria o alimento para manter saudável minha conturbada relação com minha profissão, e por isso já tão debilitada.
Especificamente hoje a mesma questão me assola: Onde está a Justiça?, lembrando-me que a indignação de quem me perguntava naquele momento era originária do fato de que a então patroa havia pontuado sua relação com a empregada pela disposição em responder às necessidades desta, ainda que a despeito da lei, uma vez que direitos não julgados necessários não eram observados, ou seja, minha interlocutora queria saber afinal onde encontramos a justiça, se havia feito tudo o que ambas julgavam seria o necessário para que a relação de trabalho fosse equilibrada, equânime.
Naquela manhã de domingo, mesmo que sem saber tudo o que essa resposta poderia conter (e passados 9 anos ainda estou descobrindo), respondi a ela que a justiça só poderia ser encontrada dentro de cada um de nós e que, por isso, justiça e lei precisam ser encarados como ambitos diferentes, e esta cabe dentro daquela, mas a recíproca não é necessariamente verdadeira. Assim, declarar a verdade somente baseado em um conjunto de ferramentas voltadas à tentativa de organização social , seja a própria letra da lei, seja o dizer sobre ela, não garante que o fenônemo da justiça ocorra enquanto qualidade inerente ao homem, e tão somente a este, em seu ambito interno, uma vez que, mesmo diante da consciência de que não é justo em razão do que quer que seja, caso a lei o proteja, é somente do homem a decisão de executar, ou não, seus direitos, em detrimento da justiça, em alguns casos. E cada um de nós tem a medida exata da justiça de seus próprios atos, sem que ninguém precise ensinar.
Guardadas as devidas diferenças e proporções, acordei com essa mesma pergunta, diante de uma sanção disciplinar aplicada ao meu filho pela escola onde estuda, diante do fato de ele ser, reconhecidamente por todos e admtido pelo próprio, a origem e a liderança de um processo desestabilizador da dinâmica de aulas que participa, em outras palavras, a velha situação já vivida por muitos pais: o seu filho puxa a corrente e os demais vão atrás. Na tentativa de usar os procedimentos disciplinares disponíveis, somente essa liderança foi punida pela instituição, sem que houvesse uma avaliação profunda, até onde eu sei, do contexto geral que envolveu a ilicitude do ato (bagunça) e sem a reflexão sobre se aquela única deliberação punitiva seria suficiente para que a justiça fosse feita.
Pois bem, também não tenho a resposta, mas sinto transitando pelas regiões da minha cabeça, peito e estômago, e principalmente deste último, uma leve dúvida sobre se a decisão foi realmente justa, ou se eu tenho a totalidade das informações sobre o assunto, ou seja, se a sanção aplicada de fato devolve ao mundo a segurança de que foi dado a César o que é de César, imagem que tão bem ilustra o que é a justiça, essa abstração tão procurada pelo homem desde que encontrou outro homem, ou seja, sempre, de forma que a cada qual seja atribuída a obrigação de responder pelo o que quer que tenha dado causa.
Se um puxa e outros seguem há uma plularidade de ações que envolvem o resultado ocorrido, ainda que de naturezas e intensidades diferentes. Se o resultado, por sua vez, foi danoso, há que avaliar a conduta de cada um dos que participaram, quem puxou e quem foi atrás e, me parece, não há outra alternativa senão haver, da mesma maneira, uma pluralidade de sanções, diversas entre si, é claro, mesmo que a letra da lei, nesse caso os regulamentos escolares, em quaisquer de suas formas, assim não preveja. Se essa não for a deliberação do julgamento certamente a justiça perdeu-se pelo caminho e só há uma pessoa, ou pessoas, legítimamente aptas a encontrá-la: aquelas que não foram punidas pois que as falhas da lei, ou dos homens que as julgaram, as protegeram. Elas guardam a morada da justiça e preferencialmente podem libertá-la, arrancando-a do mesmo lugar onde eu disse ela estaria à minha amiga: no interior de cada uma delas.
De fato tenho dúvidas se minha análise pode ser considerada realmente isenta, mas tenho por princípio que assim seja e sou treinado para isso. Na nossa caminhada diária damo-nos pouco conta de o quanto as nossas pequenas escolhas podem ser reconhecidas como o ressoar humano desses seres arquetípicos intangíveis como a moral, a ética, a justiça e, no mais das vezes, tenho a impressão de que usamos pouco dos nossos recursos diversos, pensamentais inclusive, mas especialmente o do entregar-se para que venham a nós as inspirações e intuições que trarão a luz desses seres que se abrigam em nós mesmos. O resto é coragem.

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