terça-feira, 18 de agosto de 2009

Crônicoterapia

O passado anda me fiscalizando, a julgar por pessoas remotas, e outras nem tanto assim, que nos últimos tempos aparecem do nada. Semana passada abri minha caixa de correio e me deparei com um e.mail de alguém que não vejo a, no mínimo, 25 anos e que encontrou meu endereço eletrônico por acaso, mas não explicou como, nem onde. Minha antiga conhecida, que começou esclarecendo nem mesmo ter certeza de que eu era eu mesmo, mas sou, queria dar notícias suas e receber algumas minhas.

Claro que não o contato em si, que foi muito legal, e muito menos a pessoa, extremamente gentil, aliás, mas a ação de espreitar o passado que esse encontro virtual desencadeou me causou um certo desconforto, como acontece às vezes, e eu ando, desde então, a lutar com as lembranças, idéias, sensações e palavras para saber o motivo desse leve enjôo, dessa inquietação interior causada pelas sombras empalidecidas pelos anos, razão pela qual elegi dita ação como tema desta crônica, ou seja, para que não vença desta vez o mal hábito que, confesso, tenho de deixar passar ao largo os incômodos da vida, pequenos ou grandes, quando as suas causas não são de fácil constatação e, principalmente, tratamento.

Arrisco, de largada, os motivos que, no fundo, me são velhos conhecidos. A pessoa de que falo, não por ela, já disse e repito, mas em razão do que trouxe de mim mesmo no passado, simbolicamente, é claro, pelo simples fato de ser uma figura desse passado, me apresentou em retorno a ausência de mim na minha própria vida, pois me fez lembrar de escolhas conscientes que não fiz, de encruzilhadas que não parei, de caminhos que tomei sem decifrar o que dizia minha alma, do quanto segui como rês a trilha da boiada, em meio à poeira da estrada, dando encontrões o tempo inteiro comigo mesmo e com quem caminhava (e talvez ainda caminhe) ao meu lado. De certo como até hoje ainda persista em mim, em menor grau, eu acho, esse mal hábito de postergar as dores inevitáveis, o olhar sobre especificamente esse passado não me diverte e até me enjoa.

O que deveria trazer de volta 25 anos decorridos não os trouxe, pois eles nunca saíram de fato daqui.

Só posso mesmo me incomodar com esses 25 anos que não passaram, que teimam em ficar na minha frente fazendo caretas esquisitas, buzinando em meus ouvidos suas dúvidas oportunas, me dizendo que mesmo após todo esse tempo eu ainda não compreendo, me chamando para conferir se ainda tomo os rumos incertos ditados pelo medo e pela culpa.

Aquilo que está depositado nos escaninhos da memória há 25 anos não deveria ainda falar tão claramente e espetar o presente de forma tão vigorosa, fazendo doer o corpo e a alma que sobressaltam apavorados, mas o fazem enquanto não ocuparem seu lugar de lembranças e seus personagens continuarem a ser alimentados diariamente e compondo quadros articulados daquilo que foi inadvertidamente; do que não deveria ter sido.

Os dias passam rápidos demais e tenho a nítida impressão de que nunca aprendi o que fazer com o tempo. Nunca pensei nele, e até hoje não penso. Como não dou bola ao tempo, ele faz de tudo para que eu o note, se ri de mim e brinca comigo de esconder. A maior parte das vezes eu não o vejo. Minha amiga do passado me fez dar de cara com ele e constatar, diante de algumas escolhas turvadas pela nebulosidade da minha consciência, que desta roubava a presença e o senso crítico, que somente a liberdade traz sentido à vida e dar conta de si mesmo, no sentido figurado da expressão, apesar de ser tarefa trabalhosa e nem sempre leve, é uma meta a ser construída e alcançada.

Aos poucos e à duras penas venho dissipando as brumas e acordando desse sonho não sonhado. Olhares como esse que me permitiu minha amiga do passado me faz buscar consciência de cada passo futuro da minha jornada, certo que é melhor estar totalmente presente na elaboração do roteiro dessa viagem e viajar acordado, o mais possível. De resto, vou tentando escolher as danças que a vida me convida a dançar, se não negando as que não me são tão agradáveis, ou tendo coragem de declarar as que me são preferidas, e só dançar essas, ao menos me divertindo o quanto posso.

Um comentário:

  1. Estava com saudades de bisbilhotar aqui e encontrar novidades! Que bom que esses 25 anos de vida o fizeram manifestar-se. Muito lúcida, a sua cronicoterapia!

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