terça-feira, 25 de agosto de 2009

Dos títulos das Coisas

Para mim é bastante difícil imaginar títulos para crônicas, assim como também para qualquer escrito, da mesma forma que, mesmo talvez mal comparando, é bastante delicado sintetizar acontecimentos em apenas uma frase, pois esses podem nos atropelar e deixar-nos mancos sabe-se lá quanto tempo, levar a termo situações com apenas uma expressão, considerando-se que dependendo das circunstâncias podemos entrar nelas uns e sair outros, reduzir um sentimento a uma palavra, já que sentimentos podem nos levar ao céu ou ao inferno, em alguns segundos. Títulos são coisas importantes para quem aparou a coisa titulada. Têm a tarefa de representar, de dizer algo fundamental, direta ou indiretamente, e imaginá-los é um risco pois é preciso ficar nu quase em pêlo, deixar-se vestido somente com o essencial.

Nessa hora de escolher títulos, por tudo o que disse, dá-me uma ansiedade de encontrar a melhor solução e surge internamente uma inquietação por enxergar na minha frente tantas possibilidades, tantas maneiras de dizer uma mesma coisa, tantos pontos periféricos em torno de um às vezes único núcleo.

Ao imaginar um assunto para esta fala, e nesse ponto do processo há alguma similaridade com o momento da titulação, pois ambas reduzem, concentram, na medida em que é preciso tornar objetiva uma idéia que sirva de “ponto de partida” para o pensamento, mas que ao mesmo tempo seja inteira, o qual, ao depois, se desenvolve com sua própria vida, imediatamente lembrei-me do título deste blog que, a bem da verdade, é uma oração completa (sujeito, verbo e predicado) com a qual convivo de há muito, muito mesmo.

Encontrar títulos ou conceber uma idéia inicial talvez seja como viver: abandonar as poucas importâncias e dedicar-se àquilo que realmente traz sentido à vida é por muitas vezes incumbência que passamos décadas para realizar, e muitos de nós não realizamos, empenhando forças para não enroscar nas dúvidas e incertezas de nós mesmos, ou para desenroscarmo-nos delas, então fracos para estabelecer as vitais vinculações entre as possibilidades, o que estas representam para nós e os recursos e potenciais que trazemos internamente.

“Eu queria dizer o que eu penso sobre o mundo” foi a resposta que eu mesmo dei a uma pergunta feita por um grande amigo que não vejo a algum tempo, e repetidas em algumas manhãs de segundas-feiras ribeirãopretanas quando nos encontrávamos para estudar um pouco e falar de nós mesmos, buscando apoio mútuo para as necessárias transformações pessoais que estavam por vir, entre um violãozinho aqui, um cafezinho ali e dois cigarrinhos certos, ao ser inquirido sobre a questão que realmente vivia em mim nos idos da juventude.

Transformando a afirmação inicial em pergunta, que mesmo após tantos anos ainda caminha junto de mim, escondida ao meu lado na maior parte do tempo, esperando calada compartilhar minhas escolhas e experiências, tentando sem sucesso, admito, passar à minha frente para abrir caminhos, postando-se atrás de mim esperando respaldar o que precisa ser, chego ao título deste blog: O que eu penso sobre o mundo, como eu o vejo, de que forma posso apresentá-lo com meu olhar?

Embora não tenha sido difícil responder à pergunta naquela segunda-feira, e essa clareza de visão me assusta, pois não tem sido fértil, nunca consegui saber o que fazer com ela, como se não tivesse força suficiente para alavancar minha vontade, e de fato não teve. Despido de filtros ou limitantes considerações prévias, respondi calma e objetivamente à pergunta do meu amigo fumante como eu (não sei se ainda o é) e mais alguns tantos anos se passaram, sem que eu a tivesse feito concreta.

De que servem estas crônicas nas quais eu falo mais sobre mim mesmo do que sobre o mundo, afinal, se é ele o objeto do meu encanto, ou não seria desde o início e tudo não passou de um ledo engano?

Preciso supor, para não me reconhecer à deriva mais uma vez, torcendo para que seja um relance de intuição, que ao falar de mim, não é apenas de mim mesmo que falo, mas do ser único que somos e fomos, desde o princípio, pois o faço carregado pelos braços da fraternidade, disposto a dividir o que é somente meu no princípio, mas que depois de dito deixa de me pertencer e torna-se, enfim, comunitário, embalado pela suavidade da esperança de apenas repetir o que não nasce necessariamente em mim, mas também, e em cada um de nós, e em todos, de formas, jeitos e clareza diferentes, e talvez eu apenas tenha uma voz para dizer, ávido para que eu possa funcionar como algum eco daquilo que nasce fora e eu empresto o que tenho, e o que não tenho, em mim para que viva, em nome do outro, por nossa conta. Tenho receio de ser presunção, mas é assim que sinto e faço. Falo desse corpo irmanado composto por cada um de nós, e por todos nós.

Então, o mundo sobre o qual eu queria (e quero) falar é o “nós”; sou eu e é o outro, que está ao meu lado?

Esse o tal “mundo” sobre o qual queria falar e agora me parece que os anos que se passaram sem que esse intento tivesse sido alcançado não se devem aos erros, mas sim ao tempo, que não me trazia pronto, como as horas do lusco-fusco, da indecisão delicada, que não são aptas a revelar, simplesmente porque não são. Sou um barqueiro inexperiente que se perde no começo do caminho desconhecido, seduzido por paradas fortuitas recheadas de pequenos enganos e prazeres.

O mais estranho de tudo é que hoje, ao sentar decidido a escrever, um tanto cansado desse espelho que tem sido a minha escrita, buscava um tema que me fosse estranho e, se possível, engraçado, até porque queria agradável o meu texto, para quem o pudesse ler. Como não poderia deixar de ser, devaneei profundamente do meu propósito inicial até o resultado desta crônica que se mostrou viva, assim como o meu próprio caminho, cuja prescrição eu teimo em assumir, sabendo que não são forças opostas, mas conciliadoras, sinceramente alerta para encontrar na escuridão os sinais que algum farol avisado poderá emitir em minha direção, de forma que possa lançar ao mar âncoras temporárias se quiser descansar um pouco, ou meta força total nas máquinas, mas com alguma expectativa de que sigo na rota certa.

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