segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Vigiai

Todos os dias podem ser literalmente iguais. Se você, como eu, suporta uma rotina profissional diária enfadonha, monótona e nada estimulante a atividades criativas, tome cuidado pois, mesmo diante desse quadro de poucas alternativas para sentir-se vivo, preste atenção a cada um dos minutos do seu dia, especialmente aqueles que você pode estar com outras pessoas. O encontro com pessoas, ainda que sejam as mesmas diariamente, pode ser uma (ou a única) oportunidade para tornar sua vida esteticamente artística, um pouco mais colorida, mesmo que você seja, digamos, um contador, um analista fiscal ou financeiro, um revisor de anúncios classificados ou de algum diário oficial, um encarregado de departamento pessoal, uma telefonista de serviços de proteção a crédito, um advogado – como esse que vos escreve - (que enjôo...), sem a intenção de desfazer de nenhuma ocupação, ou de ninguém, mas, admitamos, tais ofícios não se pode chamar de divertidos, de per si.

Vez por outra nessas horas de encontros previsíveis o acaso transforma a flácida banalidade em iluminada grandiosidade interna, se você estiver atento e não tiver (muitas) reservas mentais, ou seja, se “viajar na maionese”, mega-popularmente falando, não for uma atividade absolutamente fora do raio das suas possibilidades de ação humana. Em outras palavras, se os filtros do seu olhar, caro leitor, não forem excessivamente restritivos e lhe impuserem como única fonte de atenção os fatos, atos, idéias, memórias, ações, conceitos, imagens passíveis de serem consideradas, de plano e certamente, aproveitáveis como ferramenta para chegar a um resultado “prático” indiscutível, como acumular bens ou dinheiro ou aprender coisas para obter vantagens pessoais, apenas para citar duas hipóteses.

Aconteceu comigo em um dia da semana passada. Como todos, fui almoçar à exata mesma hora, com as mesmas pessoas, no mesmo lugar, quando normalmente os assuntos variam das mais básicas amenidades, como a previsão do tempo para a região, até discussões profissionais continuadas da primeira parte do expediente diário, quando, depois de um diálogo corriqueiro sobre casamento, alguém declarou sua admiração a um casal de amigos que ostentavam religiões diferentes e, num pulo, algumas pessoas já falavam sobre suas próprias convicções, e de seus companheiros, e contavam suas estórias nesse âmbito. Eu também estava fazendo isso, mais precisamente quase chegando ao ponto em que procurava as palavras para declarar minha satisfação, no sentido de estar satisfeito, em relação à uma cosmovisão científico-espiritual, digamos, quando alguém se antecipou e disse que era assim mesmo, todos buscavam “respostas”.

Nesse momento, leitor paciente, contrariei minha interlocutora dizendo, assim meio sem pensar, que nunca procurara respostas e nem mesmo eu havia me dado conta desse fato, antes de a ela ter dito. Em seguida, novamente e ainda sem saber o motivo, reiterei que não nunca havia me preocupado, como até hoje não o fazia, com obter respostas. Tais afirmações que ouvi de mim mesmo ficaram, a partir daquele instante, estranhamente ecoando por repetição à minha volta e eu, não conceitualmente, mas de forma imaginativa, por lembranças que tenho de mim mesmo ao lançar meu pensamento ao passado, por rápido resgate consciente dos momentos em que alinho os âmbitos e as forças minha alma a conteúdos espirituais, vasculhando nas gavetas da memória as minhas posturas frente à vida e o mundo em geral, confirmava que jamais abri um livro, assisti uma aula, participei de um ritual ou conversei com alguém em busca de respostas. O que me motivou, e me motiva, me impulsiona a seguir no rumo do conhecimento, do mundo e de mim mesmo, jamais foi a intenção de obter respostas à perguntas previamente formuladas.

Quero dizer a você que, ao longo daquele dia em que fui retirando aos poucos de minhas vistas internas os filtros que podem travar a capacidade de atuação de minhas habilidades anímicas, e nos dias que se seguiram também, especialmente ao encarar a estranheza de não buscar respostas, o que parece ser relativamente comum entre as pessoas, e isso não significa que não tenha perguntas, por que elas vivem em mim desde sempre, e apesar delas portanto, reconheci que meu estímulo ao conhecimento não foi obter respostas, mas sim encontrar identidade. A cada intenção de reconstruir minha presença em momentos de encontro com conteúdos sobre o homem e seu destino, mesmo antes de ela se completar, já recuperava a sensação de ter sido acolhido por aqueles conteúdos, ou não, como se houvesse, e de fato estou convicto de que há, um movimento vivo de recepção ou repulsão, como se um caloroso abraço envolvesse aquele que estuda e o próprio objeto do estudo, quando ambos se acolhem mutuamente, pela ação do reencontro daquilo e daqueles que de antemão se conhecem.

O que eu sempre almejei, e nem sabia disso, confesso, foi a identidade, o que me leva a saber que, ao final, quando esse encontro se faz e é de troca, ou seja, quando os conteúdo me falam e são escutados por minha alma e esta também fala com eles, e através deles, e é escutada, o que sempre procurei foi tornar-me único com tais verdades. Eu não soube responder, amigo leitor, à minha interlocutora naquela banal conversa, mas agora eu sei e digo a você como se fosse a ela, que somente a mim mesmo eu busquei, e ainda busco, nessa jornada de saber, de conhecer o mundo.

Eu disse que havia retirados os filtros.... então, arrisco mais, arrisco dizer que meu encontro com os conteúdos que me enchem, e somente com relação a esses, que passam pela minha alma e nela permanecem impressos, me fazem deles fazer parte, neles viver e eles da mesma forma também vivem em mim e são o que eu sou, em ação promíscua de fusão.

Sei que me transformo, querido leitor, a cada encontro com os conteúdos que alimentam minha alma e eles também se transformam quando eu os devolvo ao mundo, perpassados reciprocamente, alma e conteúdo, e, assim, penso que damos vida um ao outro, nascendo o tempo inteiro, e mais uma vez.

Acaso ou não, leitor mais-que-paciente, a noite de sábado coroou esse meu despertar, quando uma amiga que estudou um livro chamado “De Jesus a Cristo” declarou seu interesse em continuar conhecendo o assunto, estudando outros livros sobre o tema, apesar da “viagem” que ele é. Eu que já conheço tal conteúdo, e também o considerei na época uma visão arrojada e atrevida do assunto e, ao mesmo tempo, inteligente, lógica e quase óbvia, se lida livre de preconceitos, continuei entusiasmado a estudar pois me identificava com ele, pois eu já o conhecia, já o havia encontrado. Era tão somente um ver de novo.

Aquele que gastou seu tempo com esta leitura, se chegou até o ponto presente, quero agradecer e me desculpar pela longevidade desta crônica, mas esteja certo que minha entrega foi total. Não escondi nada, não direcionei nada, não quis que nada parecesse com o que não é. Então, quem leu me conhece um pouco mais, verdadeiramente.

Se você aceita, aqui vai uma sugestão: mantenha os olhos bem abertos, os ouvidos atentos, o tato, o paladar e o olfato curiosos, todos os seus sentidos despertos em vigília. A vida distraída pode nos roubar as oportunidades de conhecer a quem deveria ser o nosso maior propósito de conhecimento. Nem preciso dizer quem é.

2 comentários:

  1. Esses seus textos, Ivan, têm a capacidade de me fazerem querer ir ver de novo lá fora essa lua que quase cheia. Gosto dessa ideia de não se procurarem respostas, mas identidades. De se procurarem encontros e trocas verdadeiras, e gosto sobretudo da ideia (que é fato no fundo) de que tudo isso pode acontecer a qualquer momento, em qualquer lugar, com qualquer pessoa. Desde que haja abertura.

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  2. Papai, li todo o seu blog, sim todos os textos......não sei nem o que dizer....
    só direi que adorei os textos, e parece até que enquanto eu lia, eu via e ouvia você, falando, filosofando e fazendo suas características caretas.
    XD
    beijos, te amo
    Diogo.

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